quarta-feira, 14 de março de 2012

14.03.2012
PIONEIROS DO AEROMODELISMO

Em julho de 1964, os Humanistas daquele ano, no Ginásio Salesiano São João Bosco, iniciamos uma excursão que nos levaria ao Rio de Janeiro para uma permanência de 15 dias. Falar desta viagem, de tudo o que nos aconteceu, especialmente do problema da hospedagem, daria uma história bem longa. O fato é que o então governo do Sr. Carlos Lacerda, pela parte de sua secretária da área específica, Sandra Cavalcanti, não honrou o compromisso de nos hospedar em algum local da cidade maravilhosa. Então, diante do impasse, tivemos o socorro do Pe. Antonio de Almeida Agra, então dirigindo o Colégio Salesiano Santa Rosa, em Niterói. E fomos para lá, de ônibus a partir do Pavilhão de São Cristóvão, junto ao Colégio Pedro II, até a Praça XV, quando tomamos a Cantareira para atravessar a Baia de Guanabara, desembarcar aquelas enormes malas e novamente tomar um ônibus para chegar ao Colégio. Nos dias subsequentes à nossa permanência, o ritmo era este: depois do café tomávamos os transportes para chegar ao Rio de Janeiro (ônibus e barca) e ficávamos o dia inteiro conhecendo o que o Rio tinha de melhor e o que animava nossa curiosidade. Almoçávamos e jantávamos no Calabouço, o restaurante da União Nacional dos Estudantes, no Aterro do Flamengo. Imagine o que era aquilo, pouco tempo depois do golpe militar de 1964. O Calabouço, aliás, foi o motivo para, quatro anos depois, durante o terrível ano de 1968, de um grave problema, quando foi assassinado o estudante Edson Luis Lima Souto, um dos manifestantes contra as péssimas condições sanitárias do restaurante. Então, ali nós fazíamos refeições, em meio a uma barulheira enorme de talheres batendo nos bandejões e gritos e protestos em inflamados discursos de líderes e manifestantes. Depois, do almoço, de um destes dias, eu sai vagueando pelo Aterro até que descobri o que já se conhecia dentro daquele parque do Aterro, próximo ao monumento aos Pracinhas da II Grande Guerra, a Pista de Aeromodelismo, na Modalidade de Voo Circular Controlado (VCC), inaugurado pelo Governador Carlos Lacerda, mais ou menos como está nesta Foto 1, do arquivo (Fonte: http://www.flickr.com/photos/selusava/4608660941/). Fiquei um tempão olhando aquelas manobras e a vibração dos que praticavam o esporte. Aquilo me contagiou e dali já sai para um endereço que me deram, na Av. Al. Barroso, bem no Tabuleiro da Baiana (já não existe, como mostra a Foto 2 do arquivo - Fonte: http://www.flickr.com/photos/55827601@N04/5169988538/in/photostream). Lá ficava uma certa Casa Hobbylândia, especializada em aeromodelismo. Foi amor à primeira visita. Fiquei fascinado com a diversidade de modelos e tudo mais que se fazia ali para completar a assistência aos que curtiam aquele esporte. Voltei lá outras vezes e já ia com a decisão de comprar um modelo, dos mais simples, pois as finanças não me permitiriam, literalmente – voar com este sonho. Mais para o final da excursão, quando já não me animara mais comprar alguma coisa no Rio, fui lá e comprei o modelo Tamanco B II, semelhante a este que está na Foto 3 do arquivo (Fonte: http://www.e-voo.com/forum/viewtopic.php?p=78544), gastando quase tudo que estava disponível de saldo no bolso, à exceção do que estimava para a viagem de retorno em ônibus da Empresa Varzealegrense, de 4 a 5 dias pelas estradas. Na véspera do nosso retorno, à tardinha, sai da Hobbylândia com uma sensação de felicidade, semelhante àquela indescritível, de quando, aparentemente, se tem tudo – nada a reclamar da vida. Aquele pacote comprido, quase um metro de tamanho, era agora o objeto dos meus ciúmes, desde a caminhada entre pessoas apressadas, desde o Largo da Carioca até à estação das barcas para Niterói. Não havia espaço para outra coisa. A felicidade era muito grande. Muito tempo depois eu ainda me lembrava que no jogo daquela barca, atravessando a Baia, um pensamento estranho me vinha à cabeça: Graças a Deus a viagem está chegando ao fim (aproximação da barca no porto de atracação). Felizmente não houve nada, e a barca não naufragou. O que seria de mim, sem este aviãozinho... (Hoje posso rir à vontade destas coisas...) Viajar de Niteroi para Juazeiro foi ainda um longo caminho diante da ansiedade para ver logo aquele brinquedo montado e voando. Não foi difícil montar o modelo. Era dos mais simples que poderia ter permitido iniciar-me neste esporte. O kit de madeira incluía o motor, tanque, trem de pouso, o mecanismo para fazê-lo subir ou descer com o respectivo carretel com os cabos de aço, no tamanho de 10 metros. Tive o gosto de fazer uma pintura que decorava fuselagem e asa do modelo, nas cores verde e branco. Já era o efeito Icasa que tinha a minha simpatia, nascida no ano anterior, de 1963. Pronto o modelo, a preocupação era por em funcionamento, ainda em casa. O combustível, na época – não sei se terá alterado depois, era uma mistura de metanol e óleo de rícino. Nesse primeiro momento contei com o apoio de Luiz Aécio e Francisco Flávio Germano Magalhães que me orientaram para fazer a partida do motor. Como ele era do tipo compressão (não tinha vela para a ignição), era necessário acertar manualmente o ponto desta compressão para produzir a queima do metanol, ao mesmo tempo em que o óleo agia como lubrificante para o atrito do pistom com a casca do motor. E, é claro, a hélice produzia a ventilação necessária para refrigerar o motor. Resolvido este problema, a etapa seguinte era ir para um local adequado onde se pudesse fazer o primeiro voo. A escolha foi ruim, pois não havia outra. Tratava-se do campo de futebol do Ginásio Salesiano. Ele, por aquele tempo, tinha passado por uma grande obra de terraplanagem com possantes máquinas caterpilar e o resultado é que uma camada razoável de pó fino estava sobre a superfície. Ao menor vento levantava uma poeira miserável. Mas o problema da poeira não era pior apenas para o “piloto” ou para os assistentes. O grave era a contaminação do motor com aquelas partícula finíssimas de terra, assemelhadas a um talco, de tão fina. Para este primeiro voo, não havia instrutor disponível na cidade. A coisa era nova, ninguém nunca vira aquilo de perto. Mas grande era o número de curiosos, num final de tarde no campo do Ginásio Salesiano. Dada a partida do motor, alguém me ajudou e lá se foi o aviãozinho para o espaço. A duras penas consegui segurar por uns poucos minutos. Mas um conjunto de coisas influiu muito: o inusitado da operação, temor de acidente, a poeira, a tontura, o sol no rosto – tudo me fazia inseguro para concluir aquela experiência jogando o aviãozinho no chão. Terminava aí a primeira experiência de aeromodelismo em Juazeiro do Norte, em meados de agosto de 1964. Com a queda, o avião quebrou em dois pedaços. Tinha trazido, por precaução, recomendada pelo japonês que me atendeu na Hobbylândia, umas porções de madeira adequada para fazer eventuais remendos para estas situações. E assim aconteceu. Estando pronto novamente, era a hora de voltar a pilotar. Foi quando meu pai me sugeriu que num domingo à tarde, fôssemos para o velho campo de pouso da cidade, aquele mesmo que havia sido ainda inaugurado pelo Pe. Cícero, depois sob os cuidados do Correio Aéreo Nacional, e por último com a segunda Zona Aérea, sediada no Recife. Agora estava abandonado, pois já havia o futuro Aeroporto Regional do Cariri, no outro lado da cidade. Havia uns restos de pavimentação que permitiam a improvisação de um campinho para modelismo. Lá fomos alguns fins de semana e aos poucos eu fui, mesmo com as quedas do aeromodelo, me firmando com mais habilidade. Mas, por algum motivo o motor foi apresentando problemas e a combustão não mais era adequada, havia perda de potência e o modelo não tinha bom desempenho. Na esteira desta iniciativa, veio a dos irmãos Aécio e Flávio que já passaram a pilotar modelos de fuselagem mais encorpada, não tão simples como o velho Tamanco B II, indo para outra categoria, a de usar motores com vela e depois para modelos de rádio-controle que é outra história. Na fase mais pioneira, não lembro quem teria comprado modelos mais simples. Lembro, sim, da presença importantíssima de assistência técnica, de animação, de Francisco de Assis Dibe Gondim, um funcionário dos Correios e Telégrafos, também radioamador, de Fortaleza, ora em residência em Juazeiro do Norte, e que já praticava aeromodelismo no clube que funcionava num anexo da Base Aérea de Fortaleza, no Alto da Balança (Aerolândia). O fato é que neste período de Agosto a Dezembro de 1964 nos divertimos muito com esta aventura. No começo de 1965 eu já estava me mudando para Fortaleza, e mesmo sem mais praticar, pois a experiência em Juazeiro tinha sido de pouquíssimos dias em seis meses, eu passaria a frequentar às tardes de sábado no Alto da Balança, em contato com os membros do Clube de Aeromodelismo de Fortaleza, dentre eles, mais tarde, o próprio Dibe que voltara, transferido de Juazeiro para Fortaleza. Confesso que não mais acompanhei tudo o que se desenvolveu em Juazeiro depois desta data. Só lamento que nesta época, não tenhamos tomado nenhuma fotografia daquelas tardes memoráveis do pioneirismo do Aeromodelismo em Juazeiro do Norte.